Desde fevereiro de 2020, o padre Raphael Colvara Pinto partiu da Catedral São Pedro, onde era pároco, para a Paróquia Saint Charles na Arquidiocese de Boston, na cidade de Woburn (aproximadamente 15 km do centro financeiro de Boston, nos Estados Unidos). É uma paróquia formada por muitos imigrantes provenientes de diferentes partes do mundo. “Minha estada nos Estados Unidos configura-se na vida e realidade do migrante. Sofro, com eles, os desafios de estar em um outro país, assumindo as condições de vulnerabilidade que isso implica”, refletiu ele.
Em novembro de 2020, o padre Raphael testou positivo para o COVID 19. “Foi uma das diversas oportunidades que me fizeram sentir ainda mais próximo dos imigrantes que sofrem com o contágio, pois, por conta de suas atividades laborais, as pessoas precisam trabalhar e não podem estar em casa”, revelou. Num período de quarentena longo, permaneceu 24 dias em total isolamento, embora nunca tivesse qualquer sintoma. Ele só retornou às suas atividades quando o novo teste acusou negativo.
Porém, o padre Raphael pensava o tempo todo que esse período de quarentena deveria ser um “ócio criativo”. “Eu fiquei em total isolamento no quarto, não tinha acesso a nenhuma dependência da casa. Portanto, tornou-se um longo e fecundo retiro espiritual”, relatou. E nesse distanciamento obrigatório, começou a escrever alguns poemas, uma experiência inédita para ele, que espera, em breve, estar compartilhando numa nova publicação. Para dar um gostinho aos leitores, segue pequeno trecho de um dos seus poemas:
“Às vezes, a fadiga da jornada faz o amor arrefecer-se, colocando-se sorrateiramente nas veredas longínquas, nas fileiras pontiagudas das montanhas, onde o silêncio, há muito tempo, deixou de falar.”
O ato de escrever ajudou na fase de isolamento e, sem dúvida, foi importante para ressignificar aquela experiência. “A cada manhã, sentia-me solidário com todas as pessoas que, por uma razão ou outra, estavam vivendo o mesmo dilema. Era como se o coração dilatasse para abraçar as muitas realidades sofridas do mundo. Mesmo isolado, eu estava em profunda comunhão com os nossos paroquianos. Sempre que podia, telefonava para levar uma palavra de ânimo e conforto às pessoas”, contou.
Na verdade, padre Raphael revelou que o segredo é não ficar pensando nos seus próprios problemas. E, embora havendo inúmeras situações difíceis nos cotidianos das pessoas, ele acredita que aquilo que nos desafia é também o que nos transforma e, assim aconteceu.
Orações e estudos
Padre Raphael é um estudioso e enveredou pelo mestrado e, em seguida, o doutorado na PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do RS). “Para mim, a vida acadêmica nunca esteve distante dos anseios de transformar a realidade a partir da mensagem do Evangelho. Eu ainda não encontrei nada que fosse mais revolucionário do que isso”, ponderou. Os seus estudos resultaram no livro “Mare Nostrum - Desafios e Contribuições à Realidade Marítima”, onde busca fazer uma abordagem contextual das realidades dos pescadores, portuários e caminhoneiros, interlocutores de uma palavra, que é sempre BOA-NOVA.
“Tenho consciência de que a escolha do tema não foi uma etapa isolada, mas fruto de um processo compartilhado com muitos colaboradores e por inúmeras reflexões e vivências, que toma o Porto do Rio Grande como ponto de partida da reflexão”. Ele entende que seus estudos podem contribuir, primeiro porque é preciso considerar que a realidade marítima esteve na gênese do movimento da comunidade cristã primitiva. “Essa é uma verdade que não pode ser esquecida: a Igreja nasceu de um convite na beira do Mar de Tiberíades e se consolidou nas cidades portuárias do Império Romano”, situou. Em segundo lugar, a cidade do Rio Grande está em uma região litorânea, onde o porto é o principal vetor econômico de desenvolvimento da cidade, da região e do sul do Brasil, o que por si, já mostra a relevância do assunto.
Em relação às suas pesquisas no mestrado e no doutorado, ele explicou que versam sobre temas que dizem respeito à Teologia e também ao pensamento contemporâneo. Padre Raphael acredita na necessidade de se pensar perspectivas que auxiliem na superação dos mal-entendidos e preconceitos, hoje vividos por uma sociedade bipolar. E para isso, é preciso superar o medo de arriscar, falhar e aprender com os equívocos do caminho. “Se não houver um esforço em atualizar a mensagem cristã, corre-se o risco de reduzir o Cristianismo a uma peça de museu. Se afirmamos que a fé em Jesus Cristo é uma proposta sempre atual aos homens e mulheres de todos os tempos, então o diálogo será sempre necessário”, concluiu.
Padre Raphael não vê apenas aspectos negativos no atual momento de secularismo e até mesmo radicalismos que se apresentam na sociedade contemporânea. Ele compreende que todos esses fenômenos são uma grande oportunidade para o Cristianismo, sobretudo, uma redescoberta do valor da participação humana na busca de uma perspectiva mais ampla. “É verdade, caberá a nós entender que a revelação não é simplesmente um “dado” no passado ou da Tradição, mas, sim, um evento que é passível de novas interpretações. Portanto, Deus continua a se revelar em meios a essas fraturas e, sobretudo, nos diferentes contextos e acontecimentos da vida”, analisou com esperança o padre.
O livro “Mare Nostrum - Desafios e Contribuições à Realidade Marítima”, baseado na tese de Doutorado do Pe. Raphael Colvara Pinto, está à disposição na secretaria da Catedral de São Pedro, no valor de R$ 20,00. A arrecadação com as vendas será destinada à Pastoral do Migrante da Diocese do Rio Grande.
Matéria: Lucilene Zafalon – Pastoral da Comunicação Diocesana