A live Partilhando, com Manoel Jesus e Lupi Scheer, um programa da Arquidiocese de Pelotas, recebeu, essa semana, Dom José Mário Stroeher, bispo emérito de Rio Grande. Natural do município de Feliz, atualmente com 82 anos, Dom José Mário começou sua caminhada vocacional muito jovem, tendo saído de casa com apenas dez anos de idade. Primeiro foi para o interior de Caxias do Sul, onde estudou três anos, continuando no seminário em Caxias do Sul e de lá, para o seminário São José, de Gravataí. Em 1957, no Seminário Maior de Viamão, fez a Faculdade de Filosofia. Dom José lembra desse tempo saudoso, quando os seminaristas também faziam o ginásio e o científico juntos, longos anos de estudo e amizade. “Em Gravataí foi um tempo maravilhoso. Éramos praticamente 200 seminaristas”.
O bispo emérito esteve duas vezes estudando no reconhecido Colégio Pio Brasileiro em Roma, na Itália. A primeira vez, em 1960, do qual se orgulha de ter vivido todo o clima do Concílio Vaticano II. “Algo extraordinário que experimento até hoje a alegria desse grande acontecimento da Igreja Católica”. Em 1980, voltou à Roma, para uma especialização, a partir do tema Cristologia do Espírito Santo, com o objetivo de analisar quem foi o Espírito Santo na vida da Igreja, na vida de Cristo e na história da humanidade, especialmente à luz da palavra de Deus, na Bíblia, no Antigo Testamento.
Em 1983, ainda não tinha terminado seu doutorado, e mesmo tendo preferência em continuar como padre, foi nomeado bispo, para trabalhar na arquidiocese de Porto Alegre, também com funções na CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). “Esses 38 anos de bispo foram dedicados a trabalhar no reino de Deus, especialmente no anúncio como presença junto aos pobres que são os preferidos de Deus”, frisou.
Depois de alguma tensão em sua passagem como bispo auxiliar em Porto Alegre, veio para Rio Grande em 1986, como segundo bispo. Ele contou que não foi fácil, pois, mesmo já com 15 anos sob a direção de Dom Frederico Didonet, Rio Grande ainda não tinha condições financeiras de se sustentar como uma diocese. O segundo ponto sério era a falta de padres. “Apoiei, desde o início, para termos um seminário, que dom Frederico conseguiu iniciar somente no seu último ano do episcopado”, contou, lembrando que a maioria dos padres atuais da diocese rio-grandina foi ordenada por Dom José.
Hoje a Diocese do Rio Grande tem situação econômica resolvida. Com a construção do Centro de Pastoral, além do atendimento pastoral e administrativo da diocese, ainda serve de rendimento a partir do aluguel de salas, pois é um prédio de quatro andares que foi construído com a ajuda de benfeitores, especialmente da Alemanha. Segundo ele, até o papa João Paulo II ajudou no final da construção.
Engajamento social - Com o incentivo da Cáritas Diocesana, outra das principais ações de Dom José Mário enquanto bispo, foi o engajamento na luta pela criação do Banco de Alimentos. “Lutamos muito pelo Conselho Municipal Alimentar, que custou a sair. Mas houve um entrosamento grande com as forças vivas da cidade de Rio Grande e várias entidades representativas que participaram desse mutirão. Hoje temos o Banco de Alimentos funcionando e também o restaurante popular que deveria ser mais incentivado”, opinou.
Lembrou ainda de outras iniciativas a serviço dos mais necessitados, nos municípios de Santa Vitória do Palmar e em Mostardas com os quilombolas e grupos de etnia negra. Além de um projeto maravilhoso, iniciado pelas irmãs do Mosteiro São José, chamado Sementes da Esperança no município de São José do Norte. Citou também as comunidades terapêuticas Vida Nova, com 30 anos de existência, e também o Esquadrão da Vida.
Trabalho pastoral e reformas – Além de trabalhar muito com as pastorais sociais e da catequese, Dom José destaca a importância de se trabalhar com a juventude. “Os jovens são o fator de dinamismo na sociedade e na Igreja”, disse ele, considerando o trabalho com a juventude fundamental, a ponto de que “se eles não vêm à igreja, nós temos que ir ao encontro deles e achar formas de engajá-los, deles se sentirem em casa”.
Para o bispo emérito, essa é a Igreja que entusiasma, pois o papa Francisco insiste em uma Igreja em saída, ou seja, aquela que vai ao encontro dos necessitados, dos sofridos, dos feridos pelos males materiais, espirituais e psicológicos. Dom José deseja que o Papa Francisco viva ainda muitos anos para ajudar na necessária reforma da Igreja, que não é fácil. “Nós, bispos e padres, muitas vezes pelo apego às estruturas caducas, dificultamos a reforma da Igreja. Como dizia o Papa João XXIII, é preciso abrir as portas e as janelas para que entre um ar novo. É preciso espanar o pó que se acumulou”, recomendou.
Uma Igreja Sinodal – Para Dom José Mário, a Igreja não pode ser uma instituição que fica olhando para o passado, mas, sim, para o futuro. “Então é este o desafio; vamos rezar e nos unir ao papa Francisco e aos bispos que estão assumindo esse compromisso, especialmente agora que a Igreja está em Sínodo. Em outubro vai ser aberta a caminhada sinodal em toda a Igreja. Em Roma, no dia 10, lembrando a abertura do concílio em 1962, e no dia 17, em todas as dioceses do mundo.
Ele espera que todas as dioceses participem, que os padres, as paróquias, os leigos, os religiosos assumam essa sinodalidade, que significa uma Igreja em comunhão e participação. “Onde os ministros não estão no topo da pirâmide, mas caminham com o povo. Que trabalham para que esse povo de Deus possa ser um sinal luminoso para esse tempo de hoje tão difícil, numa sociedade que está doente, cansada e ferida. Precisamos crer no amanhã. E, portanto, nesse aspecto, volto a insistir no trabalho com a juventude”, destacou.
Não escondendo sua afeição ao trabalho do papa Francisco, Dom José Mário, em sua caminhada vocacional, destacou a importância de outros papas. Lembra do crucial papel de João XXIII na abertura do Concílio Vaticano II em 11 de outubro de 1962, quando convocou e presidiu a primeira sessão. Depois Paulo VI foi o grande papa que, além de concluir, executou as grandes linhas do concílio. O pontificado de João Paulo I foi muito rápido, mas era o “Papa Sorriso”. João Paulo II ajudou a Igreja a ir ao encontro do mundo. Ele visitou tantas nações e porque ele mesmo, na Polônia, tendo sofrido no regime comunista, ajudou o mundo a encontrar novos caminhos. De Bento XVI, destacou a Encíclica “Deus caritas est”, onde ele diz claramente que o trabalho com os pobres é constitutivo da doutrina e da vida da Igreja.
O bispo emérito dá graças a Deus pelo pontificado de Francisco que, conforme lembra ter ouvido de Dom Jayme Chemello que conhecia pessoalmente o papa ainda quando era o Cardeal Bergoglio, “foi o maior milagre dos nossos tempos”. “Essa afirmação de Dom Jayme se concretizou no pontificado que Francisco está dirigindo, ainda que muitos desejem que chegue ao fim”, comentou Dom José, lamentando que a oposição dentro da Igreja, infelizmente, foi muito grande por gente que não aceita o novo rumo da Igreja. “Graças a Deus, hoje essas vozes ficaram mais apagadas, mas ainda existem muitos padres, seminaristas e bispos que querem uma Igreja de paramentos, uma Igreja exteriorizada, ao invés de uma Igreja em saída, uma Igreja que ama os pobres e luta por eles”, comentou.
Atividade como emérito – Após se tornar bispo emérito, ao invés de ficar em casa, Dom José Mário resolveu arregaçar as mangas e, em 2017, assumiu a Santa Casa do Rio Grande, um desafio imenso, mas fruto de um trabalho conjunto com o CONI – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, junto com médicos, enfermeiros e outras forças, para salvar esse importante hospital de Rio Grande que também atende mais 22 municípios na região.
Segundo ele, o período de 2017 a 2020, quando esteve na liderança dos trabalhos, foram muito difíceis, de incompreensões e até mesmo calúnias porque tinha muita disputa política e citavam como se ele fosse representante de determinado poder do Executivo. “Mas não era nada disso. Lutamos e conseguimos que a Santa Casa continuasse de pé”, comemorou. No início desse ano, houve uma mudança organizacional, quando ele passou para segundo vice-presidente, mas ainda ativo nas suas responsabilidades junto à Santa Casa.
Ao finalizar sua participação na Live “Partilhando”, um programa que traz à luz importantes temas da Igreja, com a coordenação de Manoel Jesus e Lupi, Dom José Mário considerou que, de fato, estamos vivemos um tempo maravilhoso, de uma nova primavera da Igreja, que se renova pelo poder do Espírito Santo. “O Espírito Santo que recebemos no batismo, continua atuando em nós para sermos os instrumentos de vida e salvação para as pessoas. Para que a salvação operada por Jesus Cristo chegue a todos e ela só pode chegar por meio do nosso testemunho, da nossa alegria, da nossa esperança e da nossa fé”, sintetizou.
Texto: Lucilene Zafalon / Pastoral da Comunicação Diocesana