Embora setembro amarelo já tenha ficado para trás, cuidar da saúde mental deve estar presente em todos os tempos, ainda mais com tantas marcas deixadas pela pandemia que se arrasta desde 2020. Tanto é assim que a própria Rede Mundial de Oração do Papa está convocando todo o Apostolado para rezar, neste mês de novembro, pelas pessoas que sofrem de depressão ou de estresse, para que encontrem nos outros um apoio e uma luz que as abra à vida.
Para o padre John Cleber Hood Moreira, pároco da Sagrada Família, no Cassino, “a pandemia deu um nó na cabeça das pessoas”. Ele, que também é psicólogo, conta que um grande indicativo disso é a atual fila de atendimento no seu consultório. “Nunca, desde que me formei como psicólogo, tive fila para atender. Hoje sempre existem de seis a oito pessoas no aguardo. E eu vejo isso como fruto da pandemia”, ilustra. O motivo seria simples, já que a pandemia trouxe muito próxima a questão que todo mundo já sabe, mas que faz a pessoa pensar um pouco mais, sobre a finitude da vida e dos seus projetos.
A saúde mental exige um cuidado permanente, entende o padre John, para quem todo mundo deveria ter a oportunidade de, pelo menos uma vez na vida, fazer uma boa terapia, nem que seja para um autoconhecimento. Mas ainda existe um preconceito de que a psicoterapia ou a psiquiatria são para os loucos. “Costumo dizer que não são para os loucos, mas para aqueles que não querem enlouquecer, para que consigam dar conta dessa demanda toda que hoje a gente tem”, pondera. Algumas pessoas, comenta o padre, conseguem fazer isso sozinhas, com leituras ligadas a sua espiritualidade, conversas com amigos ou uma direção espiritual, mas outros não. “Depende muito do poder de resiliência de cada um. Esse termo que vem lá da física, do elástico que a gente estica e ele volta ao seu estado normal. Algumas pessoas esticam e ficam esticadas num problema e então, precisam de um tratamento”, explica.
Um padre psicólogo – Padre John conta que a sua motivação para uma segunda formação em Psicologia começou ainda nos seus estudos no seminário. Quando fez o curso de Filosofia, pré-requisito para o curso de Teologia, em Viamão, tinha uma Licenciatura em Psicologia voltada para o sacerdócio, ou seja, para o futuro padre ter algum conhecimento diante do que iria assumir. “É uma motivação religiosa também, de conhecer melhor a alma, a psique humana”, conclui.
Mais tarde, já como sacerdote, ele foi se dando conta de que algumas situações que chegam até o padre, não são questões religiosas ou espirituais, mas de ordem psíquica mesmo, que precisam ser aprofundadas e até de um tratamento. “Para trabalhar bem a dimensão religiosa, é preciso também ter uma saúde psíquica, mental e física, para poder integrar tudo isso. Até mesmo porque se algum dia a saúde física for embora, ficará essa necessária base psíquica, espiritual e religiosa para nos sustentar”, esclarece.
O próprio Papa Francisco já comentou que o estudo da Psicologia também é necessário para um padre, durante uma entrevista incluída no livro “A Saúde dos Papas”, ao jornalista e médico argentino Nelson Castro, em fevereiro de 2019. Nascido na Argentina, considerado um dos países com maior proporção de psicólogos e psicanalistas por habitante, Francisco contou que acolheu uma psiquiatra durante a ditadura (1976-1983), quando era membro dos jesuítas. “Durante seis meses, me consultei com ela uma vez por semana”, revelou o Papa. “Isso ajudou a me posicionar em termos de como lidar com os medos daquela época. A tensão que isso gerava em mim era enorme.”
Francisco também falou sobre suas neuroses, as quais descreveu como frutos da ansiedade e da tristeza, que segundo citou, devem ser tratadas com carinho também, pois são companheiras da pessoa durante toda a sua vida. Padre John concorda com o Papa Francisco e complementa que daí vem a necessidade de conhecer a alma humana e de não dissociar a fé da ciência. “É muito importante olhar o que a ciência diz de tantas questões, de tantas fragilidades”, avalia.
Fatores sociais versus saúde mental – Segundo o pároco da Paróquia Sagrada Família, são muitos fatores que impactam na saúde mental, mas depende muito de como cada pessoa se relaciona no mundo e com esses fatores inseridos nas questões social e econômica, de alguém que perde o emprego, por exemplo, e questiona como vai dar o sustento para a família, a falta de acesso a uma saúde de qualidade. “Existe ainda a questão das relações pessoais que parecem cada vez mais, no meu ponto de vista, líquidas, usando um termo do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, isto é, passageiras e efêmeras”, cita o padre, dizendo da importância de se ter relações mais profundas, mais concretas, mais permanentes.
Os jovens, paradoxalmente, estão desencantados com a vida, o que na opinião do padre, ocorre devido a uma baixa tolerância à frustração. “Já dizia Sigmund Freud, criador da psicanálise, que uma pessoa para ser adulta e madura, precisa lá na infância e na juventude, ser estimulada e ser frustrada na dose certa. Porque a vida é feita de estímulos e frustrações. E se a gente não lida bem com as frustrações, surge então um desencanto com a vida”. Este é um dos motivos, segundo ele, que fazem aumentar tanto o suicídio entre jovens. E sugere que é preciso repensar, a começar dentro de nossas casas e também como Igreja, sobre como trabalhar esse equilíbrio de frustração e estímulo.
A religião ou a fé podem mudar essa perspectiva de desalento, na sua opinião, “primeiro porque nós acreditamos que tem um ser superior, maior, que nós chamamos de Deus. Essa força que rege tudo e que nos criou, nos anima com seu Espírito, nos estimula, nos manda pra frente, cuida de nós”, expõe. Depois, acrescenta ele, por um instinto gregário, pois as pessoas precisam viver em grupos e uma das coisas que se olha na saúde mental são essas relações dos vínculos. “Quanto mais saudável e maior a nossa rede de contatos, melhor a nossa saúde mental e nossa saúde psíquica. E a Igreja oferece isso, muitos grupos e movimentos, pastorais e serviços que podem dar esse suporte”, exemplifica.
Existem algumas formas das igrejas contribuírem nessa questão. A acolhida é a principal, mas Padre John acredita que se deveria também pensar em grupos de escuta, onde há uma carência atual. Uma Pastoral da Escuta é factível, sugere, pois existem diversificados profissionais dentro da Igreja, que poderiam ajudar nessa nova proposta. “A sociedade de hoje tem muita necessidade de ser escutada, mas poucas pessoas dispostas a escutar. A maioria das pessoas quer falar apenas das suas necessidades. Freud também diz que a cura se dá pela palavra, porque o pensamento é abstrato. A gente pode pensar mil coisas ao mesmo tempo e não chegar à conclusão nenhuma. A palavra não, pois ela é concreta. A fala eu quase consigo tocar nela. Eu tenho que ir construindo frases, períodos, textos e diálogos. E à medida em que eu falo, eu me escuto e, de alguma forma, eu já começo a me organizar”, finaliza o padre.
Matéria: Lucilene Zafalon / Pastoral da Comunicação Diocesana